Ser feliz é esplendoroso! É maravilhoso! Quem é feliz de verdade sabe disso, não é? É verdade, nós sabemos o quanto. E provavelmente você, assim como eu, é alguém feliz de verdade! Afinal, quem não é feliz? Num mundo como esse, lindo e maravilhoso, cheio de coisas boas para nos oferecer, cheio de coisas lindas para se aproveitar, paisagens magníficas para se contemplar, lugares de belezas indescritíveis para se conhecer, praias, desertos, cânions, rios, cachoeiras, restaurantes espetaculares, culinárias ricas e diversas… são tantas coisas incríveis que listá-las preencheria páginas e mais páginas.
Além disso, claro, se você não tem isso tudo – e quase ninguém tem – você pode ser positivo e feliz assim mesmo. Curtir os zilhões de amigos, as muitas aventuras – desde as culinárias ou literárias até as que envolvem contato real com a natureza e, inclusive, as que oferecem algum risco. Você pode também não ter muito dinheiro, mas ainda ser imensamente feliz, curtindo a vida à sua maneira.
Pode estar só, mas ser feliz da mesma forma. Afinal, quem precisa de alguém? Se você se ama isso é mais que suficiente! Amor próprio basta para suprir qualquer necessidade ou aspiração na vida, não é verdade? Quem precisa de marido ou esposa e talvez até filhos? Ninguém precisa realmente de nada disso, tudo isso é uma questão de opção.
Quem precisa de religião? Quem precisa estar apegado ao que quer que seja? Coisas, ideologias ou pessoas, não importam! O mundo é imenso, as opções são ilimitadas e você é completo em si mesmo para ser feliz e aproveitar o que puder – do modo que achar melhor!
Você não precisa de mais nada nem ninguém, além da sua própria companhia, muita energia positiva e vontade de ser feliz! Você é o único elemento realmente necessário na sua história de vida, todo o resto é opcional e passageiro. Pessoas vem e vão. Romances passam. Até mesmo a família, nem ela irá durar pra sempre. Então o que realmente importa é você! Apenas você!
Pelo menos essa é a mensagem que mais ouvimos hoje em dia e que cada vez mais pessoas tentam acreditar de corpo e alma. E eu também sei falar assim, você viu como é fácil? Mas realizar essa utopia egoísta e egocêntrica como se fosse uma verdade absoluta – e como se as pessoas não tivessem real necessidade de se relacionar com seus iguais – é que é o grande problema.
Hoje muita gente diz “fugir de pessoas negativas”. Já falei disso. Acho isso o maior barato quando eu escuto. Como se alguém pudesse ser positivo o tempo todo. Como se fosse possível estar sempre feliz. Como se fosse sequer viável essa ideia estúpida de que é possível estar “pra cima” a todo momento sem nunca fraquejar. A teoria da felicidade infinita e da auto-suficiência não tem sustentação ou embasamento de nenhum tipo – quer seja biológica, filosófica, religiosa ou qualquer outra. E acreditar nisso é se auto-enganar a troco de nada – senão uma grande frustração. Crer nesse tipo de falácia é alimentar expectativas inalcançáveis que, cedo ou tarde, cobrarão seu preço.
Você, assim como eu, é provavelmente uma pessoa que sente felicidade e tristeza, alegria e satisfação, assim como dor e angústia. Pessoas normais sentem-se frustradas às vezes e trazem em si um ou outro trauma e um ou outro drama. Elas choram e sentem-se sozinhas. Elas desejam mais do que possuem e, acima de tudo, pessoas normais precisam de outras pessoas – principalmente os membros da própria família.
Eu poderia argumentar, por exemplo, com uma infinidade de provas extraídas do nosso conhecimento científico. Afinal, hoje já conhecemos tanto sobre a nossa biologia que já fomos capazes de mapear quais áreas do cérebro humano processa cada sentimento, sensação e até nossas funções vitais. Sabemos onde está a memória, o raciocínio lógico e até onde é criado aquilo que você chama de amor ou paixão e, pasme, não é no coração que ele nasce. Apesar das sensações que você sente e que podem parecer vir dele, de lá só entra e sai sangue, mais nada – às vezes mais gordura que sangue, depende muito da sua alimentação.
Nossos nobres sentimentos são apenas processos bioquímicos, ou seja, reagimos aos eventos da vida – internos ou externos. Eles disparam – como um gatilho – a produção de substâncias pelo nosso cérebro e é isso que nos faz ter essa ou aquela sensação. Como dor ou prazer, por exemplo. E o que nos difere muito como indivíduos é que cada um tem uma “calibragem” diferente nesse funcionamento bioquímico. Isso faz com que algumas pessoas experimentem as sensações positivas – galera good vibes – com mais frequência e facilidade que outras. São afortunados assim como aqueles que comem muito e não engordam, como aqueles que possuem um corpo atlético sem precisar se esforçar muito para isso ou que possuem um QI muito acima da média. A natureza concede “presentes” diferentes a cada um. E também problemas diferentes, tais como pressão alta, diabetes, câncer e por aí vai.
Você não escolhe como quer nascer. Imagine, alguém chega na famosa “fila antes do nascimento” e pede muita beleza, ou muita inteligência. Tradicionalmente usamos essa historinha para sacanear os amiguinhos, dizendo que abusou de uma fila (a da beleza, por exemplo), mas esqueceu da outra (que poderia ser a da inteligência ou a do caráter, etc.).
Mas vamos supor que você não goste de ciência e não tenha entendido uma vírgula do que eu disse. Ou simplesmente seja cético quanto à ciência e goste de outros tipos de abordagens.
Nesse caso eu poderia argumentar filosoficamente, para os mais reflexivos. Poderia lembrar que a felicidade plena não faz sentido já que, sem sofrimento, o próprio conceito ou noção de felicidade não poderia existir. E para ser “plena”, nenhum sentimento adverso seria admissível. Daí depara-mo-nos com um pequeno paradoxo. Não pode haver o positivo se não houver o negativo. Para se conceber um conceito tão abstrato quanto o da felicidade seria necessário a concepção de seu oposto. E mais, para que o primeiro conceito, o da felicidade, seja o de maior “valor”, é preciso que ele seja raro e/ou que possua um custo, provavelmente alto. Não importando a natureza desse custo, ele tem que existir. Pois do contrário a felicidade não seria de modo algum valorizada. E bem sabemos o quanto a valorizamos – isso é fato e prova cabal ou, no mínimo, evidência inegável, dessa teoria simplória e super resumida, mas bastante intrigante.
Mas ok, filosofia é sacal, dane-se a filosofia! Por estudo antropológico ou sociológico eu poderia dizer que, em toda nossa história, cultura e arte o sofrimento e a dor são tão presentes e marcantes quem chegam a superar nossa produção artística e cultural envolvendo ou retratando apenas a felicidade. Na verdade, as massas demonstram pouco interesse em obras que apresentam a felicidade como tema central. A dor, o sofrimento e a violência, entretanto, encantam as multidões. Em geral o “final feliz” só ocorre mesmo no final das tramas – evidentemente – de qualquer história, mas o curso da mesma é cheio de dor e aflição. O final feliz é degustado como o ápice de uma história onde ele foi buscado com intensidade e alcançado com alto custo! Histórias assim nos comovem e nos enchem de inspiração. E porque será que nos “inspira”? Certamente não é porque já somos plenamente felizes. Ou você poderia aspirar tanto por aquilo do qual já está cheio?
Mas chega disso tudo, você talvez seja religioso e por isso acredita que a felicidade plena pode ser encontrada em seu deus ou sua fé. Ok, já ouvi muito isso também. Mas é interessante como os religiosos e seus livros sagrados encontram-se cheios de problemas e lamentos, além de histórias cruéis e violentas. É interessante observar que os religiosos choram e que fazem preces emocionadas buscando pelo fim desse ou aquele sofrimento. Um filho nas drogas, uma esposa ou marido problemático, uma doença teimosa… pode ser qualquer coisa. Mas dizer-se feliz perante seus iguais continua sendo muito importante e até confere um certo prestígio religioso. Diz-se que “fulano tem muita fé, já que está sempre feliz”. Ou ainda que “ciclano vive triste, então ele não tem fé ou está em falta” – em falta com alguma entidade espiritual. Interessante como algo tão comum, os sentimentos tachados como negativos, começam a se tornar sinal até mesmo de demérito religioso.
Há também os good vibes, baladeiros, trilheiros, naturalistas, modernos e positivistas em geral. Para esses não é cool falar de coisas negativas. A tristeza não pode existir se você for “bem resolvido” – seja lá o que isso for – ou se você simplesmente “pensar positivo” e “se encher de luz”. Já fiquei debaixo de muita luz o dia inteiro, trabalhando bastante. Não senti nada de tão especial – apenas dores musculares. Mas concordo que essa coisa de “se encher de luz” funciona bem quando se está a beira mar curtindo uns drinks ou uma cerveja gelada.
Esses, na minha humilde opinião, são os piores. Sua pseudo fé costuma não ter nenhuma base, fundamento ou explicação. Geralmente se apegam a uma ideia bastante superficial, simplória e subjetiva como apenas “pensar positivo”. Daí ignora-se os problemas para que eles se resolvam sozinhos – geralmente tendem a piorar. Mas não vamos entrar nos detalhes de que todos sofrem e todos tem problemas – inclusive esses. Pois isso é redundante, é “chover no molhado” – e você já sabe disso.
Então, já que não importa sua praia, podemos admitir honestamente que todos sofrem e que ninguém possui a tal “felicidade plena”… gostaria de saber por que hoje vivemos uma epidemia onde as pessoas querem esconder seus problemas a qualquer custo e viver numa espécie de “felicidade ostentação”? E ainda fazer isso – manter essa aparência medíocre – como fosse a coisa mais importante das suas vidas? E o pior, por que muitos de nós quer fugir de qualquer um que diga que tem um problema, que está enfrentando um momento difícil ou que precisa de ajuda? É porque isso não é “descolado”? É porque pessoas positivas não devem andar com pessoas negativas? Será que é porque a pessoa com problema deve estar em pecado? Interessante esse comportamento, não? Mas a minha e a sua vez também vai chegar e será difícil ter amigos depois de ter virado as costas para todos. Talvez nessa hora eles prefiram ser positivos também e se afastar de nós, os negativos. O mundo dá voltas.
A verdade é que a dor e o sofrimento são tão comuns e naturais em nossas vidas quanto o prazer e a felicidade. Apesar destes últimos tenderem a ser mais raros, ao contrário do que se prega por aí. Aceitar esse fato não é apenas honesto, mas também – e principalmente – saudável. Imaginar que você deve ser feliz o tempo todo por pressão social, crenças e dogmas ou só por achar que deveria ser assim só aumenta o sofrimento, criando uma expectativa inalcançável. Os momentos difíceis ou dolorosos nos movem e nos fazem crescer, além de, em primeira análise, garantirem nossa própria sobrevivência. Aprender a lidar com as dificuldades e limitações nos faz mais fortes. É assim que, de fato, a vida de todas as criaturas funciona – e nós não somos exceção.
Você só procura por comida e se esforça para obtê-la, por exemplo, porque sente fome. A fome é uma coisa ruim, negativa, mas é ela que garante que você irá se esforçar para se alimentar e continuar vivendo. A solidão é horrível, mas é o que garante que você irá procurar uma parceira ou parceiro. Nele ou nela você encontrará o prazer e é isso que garantirá a continuidade da raça humana. Ninguém gosta de sentir esgotamento ou cansaço, mas é isso que garante que as pessoas vão descansar para continuar a vida num outro dia. A dor é horrível, mas é quem te alerta sobre eventos que causam danos à sua integridade física. Não há como escapar de sensações ruins e, na verdade, isso é muito “bom”. Se você pudesse aniquilar qualquer dor, ansiedade e sensação ruim não sobreviveria muito tempo – e tão pouco amadureceria como pessoa.
Sua tristeza te levará a tomar posições na vida que você não tomaria se jamais saísse de sua zona de conforto. A dor ou preocupação pela possibilidade de perder as pessoas é o que nos faz valorizá-las. A saudade nos torna mais unidos. A preocupação nos trás o cuidado. O estresse nos deixa atentos aos perigos.
O conceito de felicidade plena e o desejo de estar sempre pra cima são extremamente nocivos. Tudo que experimentamos é importante e faz parte daquilo que nós somos. Negar-se momentos de tristeza ou sentir-se mal por não conseguir ser feliz o tempo todo é tolo, banal e é um sinal de falta de equilíbrio emocional.
Se alguém está com problemas e você notar isso, não tem aí um motivo para fugir da pessoa ou evitá-la. Ela não está com nenhuma doença contagiosa. Conversar e dar algum apoio não vai toná-lo menos positivo ou abalar sua reputação de good vibe. Nem mesmo vai te passar alguma “energia negativa”. Na verdade, pode até fazer de você uma pessoa melhor, menos fútil e menos egoísta. Todos nós somos fúteis e egoístas ocasionalmente ou circunstancialmente. Ninguém é perfeito, certo? A atitude de ajudar o próximo pode ainda lhe render amigos que vão lhe apoiar quando chegar a sua hora – e acredite, chega a de todo mundo.
Os atos de compartilhar e de apoiar o próximo também já estiveram “na moda”. Hoje em dia, porém, as pessoas andam cultivando mais a mesquinharia. E se você acha negativo falar dessas coisas, vai por mim, você precisa se tratar. Não é um problema “falar de coisas negativas”. Elas fazem parte do todo, assim como as “positivas”. Todas as coisas tem o seu lugar no mundo e nem eu nem você somos o centro do universo. Nem mesmo nossa espécie inteira é tão especial como gostamos de pensar. Apenas somos mais pretensiosos e arrogantes que os outros animais que conhecemos.
Pense ao menos nisso: alguém consegue resolver seus problemas apenas os ignorando? Fazer de conta que não há nada errado torna tudo certo? Evitar pessoas “negativas” torna o mundo “positivo”? É claro que não. Para se resolver os problemas é preciso força e coragem para enfrentá-los. Para que as coisas fiquem “certas” é preciso trabalhar no sentido de torná-las assim. Para que o mundo fique mais “positivo” é preciso discussão e ação. O planeta terra não é um lugar mágico e encantado onde as pessoas voam se tiverem pensamentos felizes e sim um lugar onde podemos crescer e conquistar! Mas apenas se nos empenharmos para isso.
Seja feliz, sim, quando a felicidade for oportuna. E chore, lamente-se, viva seu drama quando for o que a vida lhe tiver a oferecer. Não se preocupe em sempre “fazer limonadas com os limões que a vida lhe der”, isso chega a ser idiota. Correr das dores é uma atitude covarde. Envergonhar-se de suas mazelas e negar suas mágoas é sinal de que lhe falta saúde emocional. O que é normal é ser humano e os humanos choram assim como sorriem, eles amam tanto quanto odeiam, eles sentem dor, frustração, inveja e também são capazes de atitudes nobres, de viverem momentos de prazer e sentirem-se realizados. Tudo tem seu lugar e seu tempo. Não precisamos viver desesperados atrás da felicidade infinita e nem preocupados em parecermos felizes.
Ninguém tem a obrigação de ser feliz. Muito menos o tempo todo – isso é absurdo! E ninguém deve aceitar a pressão de ter que ser positivo o tempo todo. Está triste? É direito seu, viva a sua tristeza e, se possível, aprenda algo com ela – se não for possível aprender nada também dane-se! Está deprimido? Vá se tratar, mas não negue isso, pois é algo perfeitamente normal – todo mundo fica deprimido em algum momento da vida. Anda cabisbaixo? Você não deve nada a ninguém, muito menos a tarefa de ficar distribuindo sorrisos e esbanjando alegria quando não é isso que te enche a alma no momento. Não se preocupe em parecer feliz, preocupe-se em viver a sua vida como ela é e pronto.
Claro, não está aí posta uma bela oportunidade para ser mal educado, indelicado, agressivo e mandar tudo mundo se esconder em buracos nojentos e indesejáveis. Sua tristeza ou problema não é desculpa ou justificativa para a falta de educação ou desrespeito ao outro. Mas também não significa que ninguém é obrigado a demonstrar felicidade o tempo todo.
As redes sociais, as receitas de bolo para a felicidade, os positivistas, os religiosos, os baladeiros e os espiritualistas que me desculpem. Mas vou dizer que estou feliz só quando eu estiver. E quando eu estiver infeliz não direi nada e pronto – que me deixem quieto no meu canto! Vou escrever sobre meus pesadelos assim como sobre meus sonhos. Vou abordar o ódio, assim como o amor. E vou tecer teias assim como teço aspirações, pois sou um ser humano normal, com sentimentos de todos os tipos, e ninguém me obrigará a fingir ser nada que eu não sou realmente.
Quem quiser me ver como chato, negativo, pecador, inconveniente, esquisito, anti-social, impopular ou seja lá o que for que me veja como quiser. É direito de cada um ver o outro a sua maneira, contanto que guardem seus julgamentos para si mesmos e que me respeitem, pois isso todos devemos uns aos outros se queremos ter: o respeito. É meu direito e seu também sentir-se como for e procurar, em meio a seus problemas e conflitos internos, superar os próprios males.
No fim você pode até descobrir que ser verdadeiro trás mais alívio e satisfação do que ser feliz o tempo todo.