Nadando de novo, lá vai meu povo!
Contra a corrente, que veio na enchente.
Contra a avalanche que vem deslizante,
Contra o rejeito que vem da barragem.
Casas caindo, esgoto fluindo,
Buracos no chão… eu caí, essa não!
Despenca barraco, vizinho de barco.
Rolando no morro, lá vai meu cachorro!
O menino no poste, agarra o que pode,
Se afoga aflito, um bicho esquisito.
Um carro bem velho, feio e amarelo,
Navega boiando, batendo e rolando.
O vizinho na laje, desespero já invade,
Gritando socorro, sozinho no morro.
A casa desaba com o sonho que acaba,
De ver a família enfim reunida.
O tempo de luta, de muita labuta,
Com água se escoa, seguindo a canoa.
A criança, um velho, a lembrança, um Aurélio,
A TV acabada, na lama, arrastada.
Misturam-se as cores, formas e odores,
Nem cerca, nem grama.. agora é só lama!
Fogão, geladeira, banquinho, sapateira,
Armário, chinelo, um canário magrelo…
Um gato surrado, já tonto, assustado,
Um cachorro, grunhindo, feio, perdido…
A roupa bem velha da pobre Amélia,
A louça querida da boa Margarida…
Ferramentas do João espalhadas no chão,
Bugingangas do José morador da Maré…
Tudo desloca quando a cheia toca,
Tudo acaba quando a cheia ataca.
Chove verão, vem verão, vai verão,
A história não muda, lá vem outra surra!
Descaso, abandono e corrupção,
Políticas públicas de um estado ladrão.
Chora sozinha, isolada a menina,
Lamenta a casa que some na mata.
Soluços e trancos ao ver no barranco,
A boneca querida, destruída, perdida…
Chora de dor uma mãe com pavor,
Seu filho ao regaço, um corpo nos braços.
Chora um marido, perdido, no limbo.
Procura sua amante, louco, delirante!
Chora o rio, agora poluído,
Rejeito e lama no leito e na cama.
Chora avô, Maria e Dodô;
Chora avó, Josefina e Jacó.
Chora meu povo, nadando de novo.
Chora essa gente, que corre da enchente.
Triste realidade que sempre nos assombra!!