Em momentos como esse fico pensando em como complicamos a vida sem a mínima necessidade. Poderíamos ser muito felizes e realizados, mas nossas escolhas nos conduzem à insatisfação.
De que momentos estou falando? Momentos onde paro para refletir sobre como as coisas estão e como poderiam ser. Momentos onde começo a procurar respostas para questões que fogem ao meu controle e que não posso transformar sozinho. Momentos em que começo a olhar as coisas por um prisma holístico, abrangente, macro… numa abordagem top-down (de cima para baixo).
Percebo o quanto complicamos as nossas próprias vidas e o quanto perdemos quando não conseguimos ver o quão ricos somos hoje, por mais que possamos enriquecer no futuro. Não falo de riquesas materiais, evidentemente. Mas até a elas isso se aplica.
Quando eu era criança não tinha quase nada, em termos materiais. Desejava os brinquedos da moda que nunca tive, sonhava com uma bicicleta e tinha um certo “tesão” por relógios – hoje não vejo graça alguma neles. Minha saúde também não era lá essas coisas, tive várias doenças chatas que, inclusive, atrapalharam bastante meu desenvolvimento físico. Era magro que dava dó, bastante estranho em vários sentidos, tinha manias esquisitas como não gostar de cortar cabelo e unhas. Minhas roupas eram geralmente doadas e usadas. Sonhava em ter um tênis legal, mas usava uma bota da empresa de construção civil onde meu pai trabalhava – aquela bota de peão de obra. Isso me deu o apelido de “light” quando estava no segundo grau – uma referência ao operário da empresa de energia. E para completar eu tinha depressão e ansiedade crônicas, mas nem sabia que isso existia. Enfim, não foi nada fácil.
Mas sabe de uma coisa? Hoje não tenho mais nenhuma dessas privações da infância e adolescência. Porém, a vida nunca me pareceu mais fácil em todo esse processo. O motivo? Os problemas são como as roupas que vestimos. Nós as trocamos todos os dias, mas sempre estamos vestidos – exceto, em geral, na hora de tomar banho. Parece que nossa alma, contudo, não toma banho com muita frequência – estamos sempre vestidos de problemas que podem ser de ordem financeira, saúde, afetiva, familiar ou muitos outros “looks”.
Os problemas sempre existirão, pois eles estão, acima de tudo, dentro da nossa cabeça. Nosso imenso desejo de “ser feliz”, seja lá o que for isso, nos pressiona e nos remete à becos sem saída em nossas próprias mentes.
Você sempre quer algo a mais e isso não é novidade para ninguém. A ciência já está cansada de explicar esse processo, que você pode conhecer em qualquer livro que fale da dinâmica da nossa evolução. Ela abusou do mecanismo de recompensas do nosso cérebro para liberar sensações de felicidade e realização sempre que fazemos algo que, acima de tudo, privilegia de alguma forma os tópicos “sobrevivência” ou “reprodução”.
Quanto mais se tem, mais se quer. É uma máxima intrínseca à natureza humana – está entranhada em nosso DNA e você pouco pode fazer quanto a isso. Mas pode tomar consciência do fato e entender que hoje você já pode ter realizado muitos sonhos do passado sem nem se dar conta ou ainda festejar em sua alma a grande conquista – seja qual for – já alcançada.
Quando estava doente você desejava ansiosamente pela cura ou pelo menos o retorno do bem estar – no caso de doenças incuráveis. E aí você alcança, mas logo se esquece disso e passa a “sofrer” por outros motivos.
Você gostaria de ter um carro, por exemplo, e sonha com ele por anos. Aí consegue comprar seu possante. Usado, com alguns arranhões… mas em bom estado (ou não – não importa). Mas o carro está ali, enfim! E te leva pra onde você quer. Daí você logo percebe que ele tem alguns problemas, que às vezes dá defeito, que não é tão confortável quanto o do vizinho, que há muitos carros melhores que o seu por aí… até que você passa a desejar um carro melhor.
E segue a saga! Você se esforça e compra um carro mais novo, maior e mais bonito. Maravilha, serei feliz daqui para frente por infinitas três ou quatro semanas! E depois começarei a ver os problemas desse novo carro. Preciso trocar isso e aquilo, o ar não está gelando tanto, ele não tem uma boa arrancada, preciso levar no mecânico às vezes – não tanto quanto o outro, mas ainda preciso fazer isso. Já chega, comprarei um carro zero e de boa marca!
Você rala como um burro de carga e compra seu carro zero maravilhoso e dos sonhos! Serei o ser humano mais feliz do mundo agora por infinitos três ou quatro meses! Mas só? Não é um carro zero? Não é de boa marca? O que houve agora? Não sei se você já passou por esse processo, eu sim e também muita gente. Se passou você já sabe a resposta, se não passou vai descobrir que carro zero também dá defeito. Também precisa de manutenção, também desgasta freio, precisa trocar óleo, filtros, velas, fazer higienização do ar condicionado, também gasta o pneu, resseca o limpador de para-brisas, também queima lâmpadas e, enfim, é uma máquina como qualquer outra. Surpreso? Pois saiba que até hoje pessoas imperfeitas (todos nós) não conseguiram construir ou criar nada perfeito.
Falei antes de saúde, que é uma das coisas que considero mais importante na vida. Não conheço ninguém com a saúde 100% perfeita. Todo mundo tem algum problema. Uma pressão alta ou baixa, uma rinite ou sinusite e outras “ites”, um coração instável ou fraco, problemas motores, de pele, impotência ou frigidez, alguma articulação ruim e dolorida, problemas de coluna, depressão (sim, é uma doença como qualquer outra), alergias diversas… a lista seria interminável! Mas a gente sempre queria ser como aquela outra pessoa que a gente conhece, aquela que vai pra academia todo dia, sobe montanhas, nada, salta, corre, faz e acontece e que parece ter saúde infinita! Bem, lembra do cara que eu disse a pouco que tem uns probleminhas – eu mesmo, Edmilson, muito prazer! -, então… eu faço tudo isso e ainda outras coisas, apesar das minhas limitações de saúde e psicológicas. Assim como eu vejo outras pessoas e desejo ser como elas, há quem olhe para mim e deseje ser como eu. Mas eles não conhecem meus problemas e limitações, focam apenas no que vêem de bom na minha vida. Quem me dera poder fazer isso também, ou seja, focar somente no que tenho de bom! Eu provavelmente estaria sempre muito feliz! Mas olhar somente para as coisas boas na vida de alguém é meio como assistir a vida dela pelo Facebook.
O que eu quero dizer com isso é que você pode se empenhar ao máximo para superar todos os seus limites. E, particularmente, acho essa atitude maravilhosa! Eu mesmo tento ser assim. Mas sempre haverá algo que você ainda deseja alcançar e a sua realização deve estar concentrada nas conquistas que você tem e não naquelas que surgirão a todo momento.
Sou muito grato pelas curas que obtive de várias doenças as quais me alcançaram ao longo da vida, assim como qualquer pessoa que, eventualmente, adoeceu aqui e ali. No meu caso, algumas quase me levaram à óbito. Sou grato pelo carro que tenho hoje, apesar de ter me deixado a pé mês passado porque a bateria sucumbiu ao desgaste natural. Sou grato pelo lar que tenho, apesar do aluguel caro que tenho que pagar todo mês e uma ou outra coisinha que dá defeito de vez em quando, como a torneira da pia que quebrou mês retrasado, a lâmpada que queimou semana passada e o chuveiro que queimou ontem logo numa manhã bastante fria – isso me deixou deveras irritado! Tudo isso faz parte da vida. Quem não tem carro e casa para morar certamente não reclamará de nenhuma dessas coisas, mas eu não quero trocar de lugar com eles. Estranho, não? 😉
Também era muito grato pelo casamento que tinha. Eu sonhei com ele a vida toda, achei ter encontrado a pessoa certa. Eu a amava mais que tudo nessa vida – era o que eu costumava dizer a ela. Fiz tudo para que ela fosse a pessoa mais feliz do mundo, dentro das minhas possibilidades. Esforçava-me para dar a ela tudo o que ela desejava e do melhor possível. Sonhava em construir uma família com ela e fazer da família original dela uma extensão da minha. Enfim, para mim, aquele casamento era a minha vida, apesar dos muitos problemas que ele me dava. Contudo, por mais que eu me esforçasse, ela não parecia feliz ao meu lado. Até que decidiu partir e deixar meu coração mais partido que pizza à francesa ou caneca de café quando cai cheia no chão. Desde então, me esforcei para reconstruir a minha vida, mesmo sem entender bem o que foi que aconteceu. Mas sou grato pela oportunidade que tive de construir uma família, apesar de não ter conseguido. Pois enquanto muitos não tiveram nem mesmo uma oportunidade até hoje, eu, muito provavelmente, terei ainda uma outra – onde estarei mais preparado e maduro para o desafio e com mais chances de vencer.
Quer uma casa melhor, um carro melhor, um casamento, saúde, riqueza, um helicóptero, a salvação eterna, o universo, o reino de Deus? Não importa, você sempre vai querer mais! Nós sempre alimentamos nosso descontentamento com o presente e a ansiedade com o futuro. Mas dessa forma nada nos trará contentamento, nossa felicidade estará no eterno “amanhã”.
Meus anseios – e os de qualquer pessoa – nunca me abandonam. Como as roupas, nós os trocamos constantemente. Hoje meu sonho é de uma forma, amanhã será de outra. Mas se eu apontar meu parâmetro de realização e satisfação para as coisas que eu tenho hoje, ao invés de viver ansioso pelo futuro incerto, terei muito mais chances de ser feliz de fato e viver de verdade ao invés de passar insatisfeito e ansioso pela vida que tive, mas não usufrui.
Sim, somos nós quem complicamos as nossas vidas. O “mundo” simplesmente é o que é e não tem nenhum sentimento com relação a nós. Ele não tem “raiva” de nós e nem nos “pune”. O “mundo” é só um conceito bastante abstrato. O que encaramos dia-a-dia é a nossa ansiedade por coisas que estão sempre lá na frente, enquanto menosprezamos aquelas que já temos hoje. O nosso alvo e até o sonho de ontem, que realizamos hoje, tem menos valor para nós, em geral, do que aquilo que acabamos de desejar para um amanhã incerto.
Estou tentando focar no verdadeiro presente que recebi: o meu presente. Ele está aqui e tenho agora muita coisa que já desejei bastante no passado. Há um ano estava numa cama de hospital e não era capaz de tomar banho sozinho, hoje posso frequentar a academia, mergulhar e subir montanhas. Quão ingrato seria se não valorizasse essa grande vitória? Não sei quanto tempo vou viver, mas se quiser me encontrar, vá ao posto 3 de Copacabana domingo a tarde e provavelmente estarei lá tomando meu vinho e apreciando o pôr do sol. Pois enquanto eu viver, vou tentar ser grato pelo que tenho e parar de ansiar os dias que virão. Essa é a melhor forma que encontrei para agradecer a Deus pela minha vida. E creio muito nessa forma de gratidão.
Quando era bastante pobre e morava em Duque de Caxias, minha cidade natal, não desmerecia o teto que tinha sobre a minha cabeça nem o bairro onde morava. Amava muito a casa que construi depois de trabalhar intensamente por muitos anos. Lembro-me de uma fase em que chegava da faculdade as onze horas da noite e ficava até duas ou três horas da manhã construindo as ferragens das colunas e fundações do que um dia seria aquela casa. E era muito grato por isso. Orgulhava-me de dizer que construi aquela casa com muito trabalho duro e muitas dificuldades. Fiz muitas festas no local que preparei para isso, após mais de dez anos de trabalho para que ficasse tudo pronto.
Hoje vivo uma nova fase e, enfim, deixei aquela casa para morar em outro lugar. Mas a gratidão pelo que tenho agora é a mesma que sentia pelo que tinha antes. O tempo e as lutas em nossa jornada são o que constroem essa gratidão dentro de nós e também moldam o nosso caráter.
A vida é feita de fases e cada uma delas tem alguma importância para nós. Elas nos constroem, são a nossa história. A forma como passamos por cada uma delas e o sentimento que guardamos nos fazem ser quem somos hoje.
Até as pessoas que passam por nós, boas ou ruins para nós, exerceram algum papel. Aos que se foram da minha vida, desejo que encontrem seu caminho e que seja de aprendizado e crescimento. Aos que chegarem, desejo que seja em paz e para construir um futuro ainda melhor. A vida é muito curta para vivermos odiando o próximo, desejando o mal, guardando mágoas, sendo ingratos e desejando sempre o que não temos. Eu quero o que eu tenho hoje. E o que alcançarei no futuro será apenas mais um motivo para festejar os presentes que recebo da vida.
Também virão os dias maus e neles ainda terei coisas boas. Para cada um que me odeia há cem que gostam de mim, dez que me querem muito bem e pelo menos um que me ama de verdade. Não é naquela alma atormentada que eu devo me concentrar, a que me odeia, mas nestas outras cheias de boas vibrações e que desejam o melhor para minha vida.
Nunca deixei de amar ninguém a quem amei um dia. Mas preciso seguir meu caminho quando não posso oferecer o meu melhor ou quando o meu melhor não pode ser percebido.
Romances, parentes, amigos… não importa. O amor deve ser recíproco ou não vale a pena ser vivido. A amizade deve ser feita de parceria ou será um mal para pelo menos uma das partes, mas, em geral, para as duas. O companheirismo e o respeito devem prevalecer sempre para a saúde dos sentimentos e das pessoas.
Num “mundo” como esse, de vidas breves, devemos focar no que somos e no que temos agora para encontramos felicidade e realização. Amar intensamente, deixar de lado o medo, tentar com vontade – sem reservas tolas -, perdoar, ser sincero – inclusive consigo mesmo – e ser sempre grato! Gratidão é tudo – e é o primeiro passo para a liberdade e a felicidade!